quarta-feira, 25 de junho de 2014

O Rei da Rua




A luz entrava pela janela suja de lama ou algo parecido, fazendo com que todo o quarto ficasse com uma cor amarelada nojenta. Meus pais estão tão arrasados que mal falam ou comem, nem sei sequer estão vivos dentro daquele quarto.

Eu não os culpo, faz dois meses desde que meu irmão morreu, e ele era o queridinho, a luz que iluminava seus rostos. E agora esta morto. Não é que eu não gostasse dele, ele era meu irmão, ele dormia ao meu lado todos dias. Eramos parceiros, eramos unidos. Mas não posso deixar de imaginar que foi culpa minha, pois ela ainda se mexe em minhas entranhas, como uma serpente agitada.

Mas apenas o que me resta é a insônia, e as lembranças de quando ficávamos acordados até tarde vendo televisão, até que a programação acabasse e só restassem os chiados metálicos, que nos faziam dormir. Algumas vezes Josh acordava e ficava olhando para a televisão, pensando estar ouvindo pequenos sussurros entre os chiados. Isso sempre me assustava.

Não são apenas coisas boas que me restaram, eu me lembro muito bem como aquela noite brutal começou, só não me lembro se o que aconteceu no final dela, era algo real.





Naquela noite Josh chamou três amigos para dormir la em casa, e como era sábado, meus pais saíram e me colocaram de babá. E eu não sou na realidade muito bom nisso, eu simplesmente faço algo para eles comerem, encubro as burradas, e eles me deixam em paz com meu computador.

Os garotos chegaram e o céu ainda não havia escurecido completamente, afinal era verão. Todos estavam de mochila e com suas caras espinhentas e suspeitas, eu ia deixar eles com suas atividades ilícitas mas a curiosidade foi maior e eu fui até a garagem ver o que eles estavam fazendo.

Eles discutiam sobre o que brincariam. A brincadeira do copo; a brincadeira do rei da rua; chamar a Blood Mary; e brincar de espiar a vizinha no outro lado da rua... Eles tinham 11 anos o que se podia esperar era no minimo isso. Então eu me sentei na curta escada entre a sala e a garagem e fiquei observando. 

No fim decidiram que brincariam de tudo... pobre de mim.



Eles pegaram um copo e fizeram umas letras de papel, depois de tudo arrumado sentaram em circulo e começaram a brincar. No começo tudo que eles faziam era ficar empurrando o copo para eles mesmos, e perguntando coisas idiotas como:

-Senhor fantasma, você pode adivinhar qual de nós tem pelo no saco?

Bom nesse minuto eu me levantei e sai andando enquanto eles riam, se empurravam e ficavam apontando para o Balofa que ironicamente era um menino muito magrelo e peludo. Mas a brincadeira começou a ficar estranha.

Um garoto chamado Pedro, disse que tudo ficaria mais real se eles fizessem de um modo que ele viu na internet, primeiro ele pegou um pombo morto de dentro de uma sacola de super mercado... (sim ele achou um pombo e guardou na mochila, e eu não sei de onde esse garoto veio), depois ele furou o dedo do meu irmão e dos outros garotos e todos colocaram uma gota de seu sangue no fundo do copo...

Depois ele pediu um fio de cabelo meu, e eu idiota dei três pelos do meu sovaco pra eles, e eles ficaram dando risada. O garoto devia ser mexicano ou algo do tipo, porque ele começou a rezar em espanhol o que lia no papel, e todos nós prestamos atenção. Eu me sentei na escada de novo, pra observar o desfecho.

Eles colocaram seus dedos cortados em cima do copo e começaram a fazer as perguntas.

-Tem alguém aqui agora conosco?

-......S.....I....M


Os meninos começaram a arregalar os olhos e falar, "foi você? você? eu não!" e Pedro fez "shiiiiu"...


- Quem é você?

- ....U..M....D..E..M..O..N...I...O



Eu me levantei um pouco para tentar entender a resposta, e meu irmãos sussurrou "um demônio"



-E qual o seu nome?     ---- Pedro perguntou.

- M...O....R..M...O


- E como você chegou até aqui?

- V...O...C...E...I...S.......M...E......C...H......A...M.....A.....R...A.....M


No exato momento que o copo parou de se mexer a luz da garagem se apagou, e eu sei que não foi ninguém de brincadeira porque a luz fica junto ao interruptor da sala, e ficava a uns cinco metros de onde eu estava. Eles então continuaram as perguntas... alias as ultimas perguntas.









-E onde você esta?






-A....T...R...A...S.....D..O....M...A..G......R....E......L.....O













- E o que você quer?






- E....E.....E....U...Q...U....E..R....O...B...R......I....N....C...A...R








E então a luz se acendeu, eu dei um pulo para trás, porque todos eles estavam de pé, olhando para os quatro cantos da sala. Eu me levantei e cutuquei o ombro do meu irmão...

E ele agarrou meu pulso e disse:

- O Mormo quer brincar de rei da rua, nós vamos nos esconder, e você fique em casa.

Eu assustado pensei no maior sermão que eu poderia dar (É CLARO QUE VO\CÊS NÃO VÃO PRA RUA A ESSA HORA! VOCÊS PENSAM QUE SOU MALUCO OS NOSSOS PAIS NOS MATAM!!!). Mas o que eu disse foi:

- Vão se esconder...


O QUEEE!!! eu não queria ter falado aquilo, e eu não queria ter caminhado para dentro da sala enquanto via  eles indo embora pelo portão da garagem, eu simplesmente fui até o sofá e me deitei.




Era de madrugada quando acordei com uma dor de cabeça absurda, deitado na minha cama, todo sujo e ensanguentado. As luzes vermelhas e azuis piscavam na frente da casa, e eu podia ouvir meus pais gritando e chorando na sala.

- Como você pode culpa-lo???!!! Você não vê que ele foi o único que restou?? Ele estava jogado no meio da rua pelo amor de deus!!! ---- Minha mãe gritava.

- Senhor tente se acalmar, quando ele acordar só iremos leva-lo a delegacia para constatar se o sangue em suas roupas é apenas o dele.---- O policial dizia ao meu pai.

- Tudo bem, mas eu quero uma ambulância, um advogado e quero os bombeiro!!! Onde eles estão !!!???


Eu então abri a porta do quarto, caminhei cambaleando enquanto eles me observavam, eu me sentei no sofá e desmaiei



























O que pareceram minutos depois eu acordei, eu estava dentro de uma ambulância que corria com sua sirene ligada, eu vi minha mãe ao meu lado segurando a  minha mão que não estava com os dedos quebrados. Ela chorava demais, e me perguntava, sem adquirir uma resposta:

- O que aconteceu?.....O que você fezzz filho???

E eu apenas murmurava algo que nem eu entendia, e tentava olhar em volta com aquele respirador na minha cara, mas então eu olhei para cima em direção a um aparelho brilhante que me refletia, eu fiquei de olhos esbugalhados e então desmaiei novamente.


Eu acordei no hospital, e fiquei la por algumas semanas. As noticias que passavam na televisão era que quatro jovens haviam sido brutalmente assassinados em uma rua sem saída, pedaços de seus corpos foram achados há vários quarterões da li. E apenas um havia sobrevivido... Eu.

A foto mais chocante era a que passava no final do noticiário com censura, mas ainda sim com todas as formas reconhecíveis, podia se ver as quatro cabeças dos garotos, uma ao lado da outra em cima de uma grande lixeira verde, de coleta. e na parede escrito com o sangue deles estava a frase 


EU SOU O REI DA RUA


Essa era o nome de uma brincadeira de esconde esconde, que eu havia ensinado ao meu irmão.
E não é só isso que me deixa culpado, e também, não é por isso que eu deixo que joguem fezes na minha janela. Naquele dia em que vi meu reflexo na ambulância, não era eu... e sim uma imagem destorcida do que deveria ser o que ainda esta dentro de mim ...



Mormo.





4 comentários:

  1. essas crianças que brincam com o jogo do copo, e quem sempre leva a culpa é o irmão mais velho, sem exceções!

    ResponderExcluir
  2. Aonde está você? até loguei aqui só pra dizer que eu sinto falta de suas postagens

    ResponderExcluir